Ser mãe ou não ser mãe - eis a questão
Quando chegamos à década dos 30 é quase inevitável que, para uma mulher que não tenha filhos comece a pensar seriamente no assunto. Pela minha experiência há três tipos de atitude relativamente ao assunto:
- Aquelas que decididamente querem ter filhos mais cedo ou mais tarde, e a ideia de não os ter nem está em questão. - Parece-me este ser o caso da maioria das mulheres.
- Aquelas que estão na dúvida se querem ou não ter filhos. Podem não sentir aquela vontade imediata de os terem, mas reconhecem os benefícios de os terem e como tal, não querem colocar a ideia de parte - Parece-me que este seja o segundo caso mais frequente mas que, ao encontrarem um parceiro permanente, a maioria destas mulheres acabam por ter filhos.
- Aquelas que decididamente não querem ter filhos - Acho que esta situação é muito menos frequente no início da década dos 30.
Quando pesquisei por estatísticas sobre o assunto verifiquei que no Reino Unido apenas 18% das mulheres não têm crianças ao chegar à menopausa, de acordo com um estudo do Office de National Statistics publicado em 2022. E em Portugal por volta de 2011 esse número era pequeno com menos de 10% de mulheres que tinham mais de 49 anos a não terem filhos de acordo a Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Essa percentagem tem vindo a aumentar nos últimos anos com mais casais a decidirem não ter filhos em Portugal, sendo que por volta de 2017 essa percentagem tinha aumentado para os 13% segundo a Population Europe.
Quero fazer só aqui um aparte que, durante a pesquisa de estatísticas tentei procurar por dados relativamente a casais, porque afinal, não são só as mulheres que tomam a decisão de terem ou não crianças, mas talvez ou por influência sócio-cultural ou pela simplicidade de se calcular estatísticas baseadas nas mães por ser mais fácil de se provar se tiveram ou não crianças, a maioria dos estudos apresentados são baseados nas mulheres.
Devo dizer que quando vi essas percentagens fiquei um bocado espantada. Apenas 18% das mulheres no Reino Unido nunca chegam a ter filhos!? “Não pode ser” - pensei eu. Conheço tantas mulheres solteiras, com preferências homossexuais ou que tenham decidido não ter filhos, que chegar a um total de 18% sem filhos parece pouquíssimo! Pensei que os estudos estavam errados ou tivessem como base uma pequena amostra da população. Mas depois encontrei as fontes retiradas dos censos e comecei a pensar melhor no assunto. Será mesmo possível que o número de mulheres que nunca venham a ser mães seja assim tão pequeno?
Comecei a pensar melhor no que vejo à minha volta entre o meu grupo de amigos. Entre os casais com idades semelhantes à nossa ou mais velhos, conheço apenas dois outros casais que não têm filhos. Conheço muitas mulheres solteiras mas conheço mais que estejam em relações. Entre as solteiras, duas estão a considerar ser mães solteiras e entre as outras, a maioria demonstra querer ter filhos um dia quando encontrar o parceiro certo. Portanto entre a minha rede de amizades próximas talvez 40% das minhas amigas neste momento ainda não tenha filhos mas ainda podem vir a ter. Depois o fato de que vivo em Londres talvez também tenha uma influência nesta percentagem por haverem mais mulheres que priorizam as suas carreiras do que encontrar um parceiro ou ter filhos, mas isso não é necessariamente uma realidade no resto do país. Portanto, depois de ter dado o devido tempo para pensar sobre o assunto, começo a acreditar mais nessa estatística.
Eu sem dúvida que me encontrei na situação número dois mencionada acima por volta do início da década dos 30. Não sabia bem se queria vir a ter filhos ou se não, mas pensei que eventualmente um dia eu iria ter aquela sensação que muitas mulheres têm de um desejo irresistível de ter crianças e aquela vontade forte de ser mãe. Até lá, achei que não devia preocupar-me muito com o assunto que tinha tempo para deixar as coisas acontecerem. Quando conheci o meu Inglês aos 32 anos comecei a debater-me com essa dúvida cada vez mais porque quanto mais séria ficava a relação, mais séria ficava a perspectiva de ter filhos.
Pensava muito na listagem de vantagem e desvantagens. Acho que andava a pensar sobre o assunto todos os dias, algumas vezes mais do que uma vez ao dia. As razões mais fortes para ser mãe era o facto de que os meus pais iam gostar muito de ser avós, e o facto de que gostaria de ter filhos adultos a visitarem-me em alturas como o Natal e de talvez me ajudarem ou fazer companhia na idade idosa. As desvantagens mais fortes que encontrava na lista estavam relacionadas com o facto de ainda não ter vontade de ser mãe ou sentir a necessidade de dedicar a minha vida a fazer outra vida crescer. Até cheguei a escrever um pouco sobre o assunto à 5 anos atrás.
Até termos ficado noivos acho que ambos evitamos falar sobre o assunto das crianças, mas pouco tempo depois, essa conversa surgiu porque acho que nenhum de nós achou certo entrarmos num casamento sem discutirmos um assunto tão importante quanto as crianças. A conversa demorou menos tempo do que imaginei. Ambos concordamos que iríamos acordar com a ideia de termos filhos se o outro quisesse muito mas que nenhum de nós queria ser a força que ia levar com a ideia de termos filhos em frente.
No dia seguinte a termos essa conversa, em vez de andar a pensar às voltas nas vantagens e desvantagens de ter crianças, senti uma sensação de alívio como se um peso me tivesse saído da consciência. Foi nesse momento que me apercebi que a ideia de nunca vir a ter filhos me agradava muito mais do que a ideia de os ter.
Ao fim de contas, os seres humanos sentem-se melhor, de forma geral, quando têm certezas na vida - certezas do trabalho, na casa, nas amizades com que podem contar, etc. - e esta dúvida e incerteza constante estava-me a deixar ansiosa, mas ao ter essa dúvida eliminada senti-me finalmente em paz com essa questão.
Eu sei que a maioria das pessoas não percebem a nossa decisão, principalmente quando me apercebi, ao fazer a pesquisa para este post, de quanto tão pequena é a percentagem de mulheres que nunca chega a ter filhos, mas para mim, custa-me perceber o porque é que tantas pessoas querem tanto ter filhos, quando todos dizem que a experiência é extremamente difícil e muda-lhes a vida completamente, etc, etc.
Eu tenho muita pena de não dar aos meus pais o neto que queriam, mas nós é que seríamos os pais a cuidar do neto 98% do tempo, pelo que acho que essa razão não deve ter força significativa de influência na nossa decisão.
Como agora moramos numa zona muito residencial com famílias, inevitavelmente perguntam-nos ocasionalmente se temos crianças e ao dizermos que não, noto por vezes que as pessoas ficam com aquele ar de que têm pena de nós ou ficam meio desconfortáveis sem saber o que dizer e tentam mudar de conversa o mais rapidamente possível. Outros fazem comentários tais como - “vocês só querem viajar” ou “vocês querem estar livres para socializar” e eu interpreto esses comentários como pejorativos porque as pessoas estão a tentar racionalizar a nossa decisão por haver outra razão que priorizamos mais do que ter crianças, tal como se ter crianças fosse um dever fundamental. Nós simplesmente tomamos esta decisão porque é o que nos parece certo para nós. Não é porque queríamos fazer mais isto ou aquilo em vez de ter crianças. É simplesmente porque não tivemos aquela sensação forte de que ter filhos era algo que fosse certo para nós e que nos fizesse falta na vida.
Quando vamos a Portugal é ainda pior porque uma das perguntas que a família faz é quando vamos ter filhos e mesmo que eu diga que não vamos ter, eles insistem que um dia vai acontecer. Acho que talvez lhes faça sentir melhor a ideia de que esta decisão não seja final e que possamos mudar de ideias. Quando me dizem isso eu não insisto, porque se lhes faz sentir melhor, deixa-os estar. Até já recebi um comentário de como sou uma decepção por ainda não ter tido filhos. Esse comentário não me afectou, porque eu sei que as mentalidades e idades são diferentes, mas não deixa de ser desagradável de se ouvir um comentário como esse.
Decidi escrever este post porque já li muitos artigos de mulheres na década dos 30 e 40 que não são mães e que querem ser, mas raramente encontro artigos sobre pessoas que conscientemente tomaram a decisão de não terem filhos. Portanto quis partilhar a minha experiência para talvez ajudar outros que estejam na mesma fase de indecisão em que eu estive há 5 anos atrás. A hipótese de se viver em casal sem filhos, ou solteiro sem vontade de se ter filhos também existe, e não é só porque a maioria prefere tomar uma decisão diferente que se devem sentir pressionados a fazer o mesmo. Só temos esta vida pelo que devemos vivê-la da melhor forma para nós.
Não quero que este post seja visto como uma ofensa para pais, nem para aqueles que querem ter filhos mas que não os podem ter porque essa definitivamente não é a intenção. Eu estou a escrever para demonstrar que há opiniões e decisões de vida diferentes e que estas devem ser respeitadas pelo que são. Escrevo também porque este blog tem acompanhado momentos importantes da minha vida desde que me mudei para Londres e quero que esta experiência também fique aqui marcada.