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Tuga em Londres

A vida de uma Lisboeta recentemente Londrina.

Cega por 1 hora e meia

Na passada terça-feira a minha colega chega-se ao pé de mim e pergunta-me se quero ir jantar ao restaurante no escuro. Já tinha ouvido falar à alguns anos atrás do restaurante no escuro e tinha vontade de lá ir, mas acabei por ainda nunca de facto ter lá estado. O conceito é simples mas muito original - comer uma refeição na total escuridão, e experenciar durante apenas algum tempo, aquilo que é, a vida de muitas pessoas. Os empregados são cegos, e a comida é um mistério. Existe um restaurante em Londres e outros noutras grandes cidades pelo mundo. Em Londres, a fila de espera para conseguir mesa chega a ser de meses, no entanto, ao marcar-se para um dia da semana a uma hora menos convidativa, já não será tão problemático. E não foi.


Na quinta-feira, eu e mais 6 colegas do trabalho fomos então para o tal restaurante, onde tinhamos marcação para as 21:30h. Dans le Noir é o nome do restaurante, e fica localizado em Farringdon, Clerkenwell. Ao entrarmos, fomos recebidos por uma das empregadas que nos deu as boas vindas e dirigiu-nos primeiro para o bar do andar superior enquanto preparavam a nossa mesa. Deixamos os casacos, malas, telemóveis e qualquer aparelho que possa dar alguma luz num cacifo e, após alguns minutos no bar, dirigimo-nos para a entrada da sala escura onde íamos ter a nossa refeição.


O empregado da entrada apresentou-nos ao nosso empregado de mesa, ainda na zona iluminada - "este é o Hachar e vai ser o vosso empregado da noite. Não se esqueçam do nome dele porque se quizerem algo durante algum momento da noite para comer, beber, ou para sair da sala, vão precisar de chamar pelo nome dele para conseguir ter o que quer que seja."


Para entrarmos na sala tinhamos que ir em fila indiana e ninguém queria ser o primeiro a entrar. Por isso mesmo, fui eu. Coloquei a mão direita no ombro direito do Hachar e, consecutivamente, os meus colegas fizeram o mesmo. Passámos o primeiro pano preto para entrar numa zona mais escura e, depois novamente um segundo pano preto, para entrar na total escuridão. Escuridão de tal forma que, se abanasse a minha mão a 5 centímetros da minha cara, não seria possível ver qualquer movimento.


Eu sabia que estava a ser guiada pelo Hachar, que ele era cego e sabia perfeitamente para onde estava a ir, mas apesar dele dizer que não íam haver quaisquer degraus durante o percurso, mesmo assim, sentia-me insegura e dava cada passo muito lentamente, para certificar que não ía bater com nada repentinamente.


O Hachar pára a certo momento e pede aos restantes para ficarem quietos e deixarem-me ir sozinha. Basicamente ele queria indicar-me o local para a minha cadeira onde iria ficar sentada durante a próxima 1 hora e meia.


Quando todos se sentaram começamos então numa conversa e risata pegadas a tentar identificar a que distância é que estavamos sentados uns dos outros, o que se encontrava à nossa frente na mesa, etc. Não viamos absolutamente nada, mas com o tacto e o som das vozes deu para perceber que estavamos sentados numa mesa rectangular larga e comprida. A sensação era sem dúvida fora do normal, para não dizer, muito estranha. Neste momento inicial a minha colega (a tal que teve a ideia) diz então que aquilo é tudo muito estranho e que, por isso, vai comer rapidamente e sair dali porta fora. Ela estava meio a brincar meio a falar sério, mas o facto é que, ao pensar no como a situação era estranha e fazia-me sentir tão desprotegida, nesse momento comecei até a sentir-me fisicamente mal. Pensei mesmo que o melhor seria chamar o Hachar para ir lá fora um bocado ver a luz. Mas em vez de chamar o Hachar, achei por bem fechar os olhos e tentar acalmar-me. Resultou. Acho que me comecei a sentir mal porque o meu cérebro apercebeu-se de que eu estava num ambiente onde supostamente eu devia estar a ver, ali sentada à mesa, prestes a comer. Assim, ao fechar os olhos, o meu cérebro já estava à espera de eu não ver e daí, talvez a razão pela qual, eu consegui acalmar o ritmo acelarado do meu corpo.

 

Aos poucos e ao longo da noite comecei a habituar-me à escuridão e, o mesmo sentirão os meus colegas. O interessante foi quando veio o primeiro cesto de pão. Agarrar no bocado de pão, sentir os seus contornos, cheirá-lo e saboreá-lo. Todos os meus sentidos estavam muito mais apurados e demorei mais tempo a comer e realmente apreciar aquele pedaço de pão. O mesmo se passou com a comida que se seguiu. Nós tinhamos pedido para termos um prato principal e uma sobremesa. Apesar do conteúdo da refeição ser desconhecida, tinhamos à escolha entre um prato de carne, um prato de peixe, um prato vegetariano ou um prato da "escolha especial do chefe". Eu escolhi a escolha especial do chefe. Já que não sabia o que ía comer de qualquer maneira, mais valia ir mesmo ao total mistério (e claro que havia a possibilidade de indicar se tinha alguma alergia ou outro requerimento).

 

Digamos que comer de garfo e faca o prato principal não foi a coisa mais fácil do mundo. Por isso ao início dediquei-me a sentir mesmo a comida com as mãos para conseguir identificar melhor o que tinha no prato, os tamanhos, etc. Felizmente tudo tinha um tamanho que podia colocar na boca sem necessidade de cortar e a carne que tinha no prato era tão tenra que podia facilmente cortar com os dentes.

 

Consegui identificar que tinha dois pedaços de carne e um de peixe no prato. Uma das carnes cheirava a porco mas tinha uma textura diferente. As restantes não conseguia mesmo identificar que tipo de animal seria. Só me consegui aperceber de que o peixe tinha uma textura mais densa do que o normal. Identifiquei também que tinha algumas batatas assadas, havia um puré de qualquer coisa que também não consegui identificar e uma espécie de legume tipo em picke, com mais outros legumes verdes (imagineir eu que eram verdes). Já a sobremesa foi mais fácil - tinha uma taça no meio do prato com arroz doce coberto com polpa de manga. À volta dessa taça, dentro de um prato, estavam dois biscoitos e duas tacinhas de chocolate com um creme, cujo sabor pensei que fosse de morango, lá dentro.

 

De forma geral gostei de toda a comida. Achei as carnes e peixe um pouco estranhas, mas saborosas, e a sobremesa estava uma delícia.

 

Uma das partes interessantes desta experiência foi aperceber-me de que todas as pessoas do restaurante estavam a falar com um tom de voz muito mais alto do que o que é de esperar num restaurante normal. Além disso, havia uma certa relação com as pessoas das outras mesas, por estarmos todos ali naquele ambiente o que se notou quando as pessoas de uma das mesas começaram a cantar os "parabéns a você" e, de repente, o restaurante inteiro estava a cantar os parabéns. Passado um pouco, noutra mesa começaram a cantarolar "I wanna knowwowowowo, if you'll be my man, hu, ha,..." e toda a gente começou a cantar também.

 

Uma hora e meia depois de termos entrado, saímos e as empregadas da entrada aproximaram-se de nós e perguntaram-nos se sabiamos o que tinhamos comido. Lá mandamos uns bitaites daquilo que achamos que era, e ela depois revelou o menú. As pessoas que tinham escolhido o menú de carne comeram pato, porco e perú, mas eu e as pessoas que escolhemos o prato mistério (não houve ninguém na minha mesa a escolher o peixe ou o vegetariano) comemos Canguru Australiano, Antílope Africano e Tubarão também das águas Australianas. Aquilo é que foi uma surpresa!! Mas aparentemente os pratos não são sempre os mesmos e eles vão variando o menú. Mas fiquei contente pelo tipo de refeição que me calhou.

 

De forma geral uma experiência muito diferente, estranha e muito interessante. Se quero fazer outra vez? Pelo menos para breve não. Talvez daqui a uns anos volte a ter a curiosidade novamente. Gostei da experiência e não estou nada arrependida de lá ter ido, pelo contrário. Mesmo assim, prefiro os meus restaurantes normais e ver aquilo que estou a comer.

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